sexta-feira, 13 de maio de 2011

Poesia pra que?

Saudações literárias! Vim compartilhar um texto sobre um bibliógrafo dos bons, saiu na revista Carta Capital, edição 643. Boa(s) Leitura(s).

A serventia dos livros


Escritos de Rubens Borba de Moraes revelam sua ação como modernista pragmático e seu trabalho intelectual em prol da bibliografia brasileira. Por Elias Thomé Saliba. Foto: Álvaro Costa/ Folhapress
Para que servem livros antigos? Rubens Borba de Moraes, o primeiro biblió-grafo brasileiro a ganhar reputação internacional, respondia à pergunta relembrando aquela divertida passagem na qual um banqueiro perguntava a um poeta: “Para que serve a poesia?” E esse lhe devolvia, certeiro: “Para o senhor, não serve para nada”. É de Borba de Moraes, um dos últimos intelectuais da geração modernista de 1922, que nos chegam memórias infelizmente incompletas, registradas em cadernos e deixadas em mãos de José Mindlin. Com o título de Testemunha Ocular (Recordações), elas saem por editora brasiliense com organização e notas detalhadas de Antonio Agenor Briquet de Lemos (Briquet de Lemos Editor, 308 págs., R$ 45).
Borba de Moraes (1899-1986), nascido em Araraquara, terminou o curso primário em Paris e continuou os estudos em Genebra, oásis na Europa sobressaltada com a Primeira Guerra Mundial. Lá estudou em um colégio de tradição calvinista, com professores que depois se tornariam nomes notáveis na psicologia e pedagogia, como Henri de Ziegler (1885-1970) e Edouard Claparède (1872-1940). Conheceu o escritor Romain Rolland, que lhe perguntava insistentemente sobre o Brasil, e a bailarina Isadora Duncan, com quem foi jantar depois de um espetáculo de dança.
Voltou para o País em 1919 e passou quase um ano “abrasileirando-se”. Até a língua teve de reaprender, pois só escrevia em francês. A primeira pessoa que procurou foi seu amigo de infância Mário de Andrade. Chegou aqui já com uma razoável bagagem de livros, que emprestava aos jovens reunidos todas as terças-feiras, entre 1921 e 1923, na casa do escritor. Os mais assíduos eram Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti, Sérgio Milliet, Oswald de Andrade, Luis Aranha e Anita Malfatti. Relembra, com emoção, o brilho de Mário de Andrade recitando seus versos.
“Ele encontrava a entonação certa, variava o tom da voz, era um verdadeiro artista, sem o cabotinismo dos atores”, diz em uma passagem do livro. Certo dia, conta, o escritor modernista leu para o grupo o seu poema Noturno dizendo: “Luzes do Cambuci pelas noites de crime…”, mas quando chegou ao verso “Bat’assat ô furn…”, imitando um célebre pregão de um vendedor de batatas nas ruas de São Paulo, causou um deslumbre geral. E o jovem Borba de Moraes desfechou: “Mário, você vai mal. Se continuar com esta grandiloquência, vai acabar compondo o Hino Nacional”.
As memórias do bibliófilo ajudam também a calibrar o significado do modernismo paulista, recolocando-o em trilhas bem mais realistas. Com lúcida consciência do caráter fragmentado do século que começava, Borba de Moraes deixa no ar a ideia de que a arte moderna possuía apenas uma característica: não tinha realmente identidade. Ela seria a expressão mais sublime da fragmentação dos nossos sentidos, exacerbados pela revolução tecnológica que transtornara a feição das grandes metrópoles mundiais.
O intelectual não menciona diretamente o quadro brasileiro em seus escritos, mas por meio de referências irônicas nos leva a pensar nos destinos peculiares da aclimatação do modernismo cultural à modernidade manquitola e meio capenga do Brasil daquela época: “Queríamos modernizar a política. Assim como tínhamos ‘descoelhonetizado’ a língua brasileira, passamos a ‘desperrepizar’ o Brasil”, escreve, em referência respectivamente ao escritor Coe-lho Neto (1864-1934), por muitos anos o mais lido do Brasil, e ao Partido Republicano Paulista (PRP), que, fundado em 1873, representou a oligarquia dominante no estado de São Paulo durante toda a República Velha.
O futuro bibliógrafo teria sido ainda o único entre aqueles jovens iconoclastas com um perfil mais prático e organizador. Ajudou a planejar a Semana de Arte Moderna, ao arrecadar verbas, estimular os artistas e ajudar a conter a compulsiva vaidade do escritor Graça Aranha. Borba de Moraes só não participou do famoso evento modernista porque contraiu febre tifoide que quase o matou naquele crucial 1922.
O intelectual relembra, sempre de forma divertida, figuras e casos pitorescos da época. Conheceu o escritor suíço Blaise Cendrars (1887-1961) quando veio a São Paulo em 1924. Na companhia de Sérgio Milliet e Luis Aranha, recepcionou-o em Santos. Foi um constrangimento. As autoridades brasileiras impediram o desembarque de Cendrars porque ele não tinha um braço. Nenhum imigrante mutilado podia adentrar o solo brasileiro nessas condições, ainda que resultantes de um ferimento de guerra. Horas depois, com a intervenção de Paulo Prado, descendente de uma das mais influentes famílias paulistas, filho primogênito do conselheiro Antônio Prado, Cendrars desembarcou.
Borba de Moraes impressionou-se com a capacidade do escritor europeu em transformar qualquer fato mirabolante em história verossímil. Acha incríveis as descrições que ele fez da Amazônia, embora nunca tenha estado lá e “a maior árvore que contemplou tenha sido uma enorme figueira no jardim da casa de dona Olivia Guedes Penteado”.
O engajamento de Borba de Moraes, como segundo-tenente, em embates na região do Vale do Paraíba durante a guerra paulista de 1932, transformou-o no mais empedernido pacifista, como ele registra neste livro de memórias ao relembrar a chamada “guerra constitucionalista”: “Não há heroísmo em matar pobres diabos que estão padecendo o que você padece, suarentos e fedidos como você, enganados como você pelos discursos do que ficaram confortavelmente em casa falando, falando, falando. (…) Dá vontade de ir para bem longe e esquecer tudo, apagar esta passagem suja de nossa vida. Os políticos que fiquem com os proveitos, eles merecem, foram eles que fizeram toda esta bagunça imunda e sangrenta”.
Possuía rara capacidade de autocrítica, como se percebe na divertida análise de sua formação europeia: “Adquiri, para sempre, um senso agudo do dever e do cumprimento das tarefas que me cabem. Aprendi que chegar na hora marcada não é somente uma obrigação, mas uma prova de consideração pelo próximo. (…) Aprendi uma porção de princípios genebrinos bons e bonitos. Nem sempre, porém, os pude praticar rigorosamente, porque a carne é fraca e a carne do brasileiro é fraquíssima”. O que o transformou numa figura singular de homem altamente disciplinado, até em seu incansável amor pelos livros. Foi também um vaticínio sutil das agruras que enfrentaria por conta dessa dedicação. Desde 1935, quando assumiu a Divisão de Bibliotecas do Departamento de Cultura de São Paulo e fundou a primeira escola de biblioteconomia paulista, sua vida ficou associada aos livros e à história da biblioteconomia brasileira.
Nem sempre conseguiu aplicar por aqui, contudo, aqueles “princípios genebrinos”. O projeto arquitetônico da Biblioteca Municipal, a partir do qual acalentava criar um sistema integrado de bibliotecas, foi severamente modificado anos depois na gestão municipal de Francisco Prestes Maia. O prefeito é descrito por Borba de Moraes como figura “honestíssima”, mas passadista, “o último homem em São Paulo a usar a indumentária do século XIX: ceroula, botina e suspensórios”.
A gota d’água da encrenca com o então prefeito veio na época da inauguração do novo edifício. Para “enfeitar” o hall de entrada, Prestes Maia encomendou a estátua de uma mulher em pé, de camisola, a segurar um livro. Solicitou por escrito a Borba de Moraes, na ocasião diretor da biblioteca, que sugerisse uma frase para colocar no livro. Como o hall previsto era para a circulação e, portanto, não cabia colocar ali uma estátua, Borba de Moraes, já extremamente desgastado com as inúmeras alterações no projeto, sugeriu a infernal frase do escritor Dante Alighieri: “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”. Sua remoção do cargo foi imediata.
Menos de um ano depois, Borba de Moraes tornou-se chefe da divisão de consultas da Biblioteca Nacional e elaborou um relatório tão dramático da situação do acervo que o ministro da Educação, Gustavo Capanema, não permitiu a divulgação do texto, só conhecido 30 anos depois. Permaneceu três anos na Biblioteca Nacional até o momento no qual sua insistência (e um pouco de teimosia) nas reformas o fez entrar em conflito com o diretor Rodolfo Miranda. Mas seu desligamento das bibliotecas durou pouquíssimo, pois foi logo convidado a dirigir a Biblioteca da Organização das Nações Unidas, em Nova York, entrando assim para um item bem brasileiro das estatísticas, o da “exportação de talentos”.
Longe do País, Borba de Moraes sentiu a necessidade de organizar algo que a cultura brasileira não possuía, obras de referências bibliográficas para estudiosos e pesquisadores. Transformou-se nessa figura rara na cena brasileira que é o elaborador de bibliografias, ou bibliógrafo, no fundo um exímio produtor da matéria-prima da cultura. Foi um dos organizadores do famoso Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros, que reuniu os mais importantes intelectuais do País em 1949, compilando informações até hoje indispensáveis aos pesquisadores.
O manual, com mais de 5 mil referências sobre o Brasil, seguiu a mesma sina das outras bibliografias elaboradas por Borba de Moraes. Saiu originalmente em inglês e somente depois foi publicado no Brasil. A preciosa Bibliografia da Impressão Régia, reorganizada e completada pela historiadora Ana Maria Camargo, seguiu o destino das outras publicações e foi editada apenas postumamente. Só no ano passado saiu em português, pela Editora da Universidade de São Paulo, a Edusp, a sua Bibliographia Brasiliana, que há anos constitui padrão de referência internacional para bibliotecários, pesquisadores e livreiros.
Tudo isso talvez porque o obstinado e teimoso bibliógrafo sempre se recusou a aceitar a brincalhona advertência do seu velho amigo, o editor Octales Marcondes: “Rubens, você tem mania de escrever livro que não se vende”. Isso era apenas uma meia verdade, já que seu O Bibliófilo Aprendiz, um delicioso e indispensável guia para os amantes do livro, ganhou várias reedições e até hoje pode servir como excelente introdução ao universo da leitura. “Pode servir” porque, como naquela provocadora resposta do poeta ao banqueiro, a serventia depende sempre de quem faz a pergunta.•

domingo, 24 de abril de 2011

Dicas de sites: http://www.escritoriodolivro.com.br/

Sobre Livros & Leituras: o que diz...

Virginia Woolf: O único conselho que realmente se pode dar sobre leituras é o de não aceitar conselhos, seguir o próprio instinto, usar o próprio discernimento e chegar às suas próprias conclusões. Afinal, que regra pode-se estabelecer sobre os livros?
(in "How should one read a book", 1926)

Charles Baudelaire: Toda boa escultura, toda boa pintura, toda boa música sugere os sentimentos e devaneios que quer sugerir. Mas o raciocínio, a dedução, pertencem ao livro.
(in "L'art Philosophique", 1869)

Jorge Luis Borges: De los diversos instrumentos del hombre, el más asombroso es, sin duda, el libro. Los demás son extensiones de su cuerpo. El microscopio, el telescopio, son extensiones de su vista; el teléfono es extensión de la voz; luego tenemos el arado y la espada, extensiones de su brazo. Pero el libro es otra cosa: el libro es una extensión de la memoria y de la imaginación.(...)
Se habla de la desaparición del libro; yo creo que es impossible. Se dirá qué diferencia puede haber entre un libro y un periódico o un disco. La diferencia es que un periódico se lee para el olvido, es algo mecánico y por lo tanto frívolo. Un libro se lee para la memoria.(...)
Si leemos un libro antiguo es como si leyéramos todo el tiempo que ha transcurrido desde el día en que fue escrito y nosotros. Por eso conviene mantener el culto del libro. El libro puede estar lleno de erratas, podemos no estar de acuerdo con las opiniones del autor, pero todavía conserva algo sagrado, algo divino, no con respeto superticioso, pero sí con el deseo de encontrar felicidad, de encontrar sabiduría.
(in "El Libro" conferência pronunciada na Universidade de Belgrano, 24/05/1978.).

Marcel Proust: o que difere essencialmente um livro de um amigo não é sua menor ou maior sabedoria, mas o modo como comunicamos com ele, a leitura, a contrapelo da conversa, consistindo para cada um de nós em receber comunicação de outro pensamento, porém a sós, isto é, continuando a usufruir do poder intelectual que se tem na solidão e que a conversa imediatamente desfaz (...)
É uma das grandes e maravilhosas características dos belos livros (e que nos faz compreender o papel ao mesmo tempo essencial e limitado que a leitura sabe ter em nossa vida intelectual), eles poderem para o autor chamar-se Conclusões e para o leitor, Incitações. Sentimos muito bem que nossa sabedoria começa onde termina a do autor, e gostaríamos que ele nos trouxesse respostas, quando tudo o que ele pode fazer é trazer-nos desejos. É quando nos disse tudo o que podia dizer que ele faz brotar em nós o sentimento de que ainda não disse nada.
(in "Journées de Lecture", Pastiches et Mélanges)

Montaigne: Meu intento é passar mansa, não laboriosamente, o que me resta de vida: não há por quê me romper a cabeça, nem pela ciência, por mais que ela valha. Nada busco nos livros senão o prazer de um entretenimento honesto ou, estudando, a ciência que trata do conhecimento de mim mesmo e me ensina a bem morrer e viver. Não faço nada sem alegria.
(in "Des Livres", Essais)

Georg Christoph Lichtenberg (1742-1799, médico e escritor alemão): "Não existe no mundo um artigo mais estranho que o livro. É impresso por gente que não o compreende; é vendido por gente que não o compreende; é encadernado, criticado e lido por gente que não o compreende; e agora, é até mesmo escrito por gente que não o compreende".
(in Aphorisms)

Walter Benjamin: "Por que você coleciona livros?" — Alguém já fez essa pergunta a um bibliófilo, para induzi-lo à auto-reflexão? Como seriam interessantes as respostas, pelo menos as sinceras! Pois apenas os não-iniciados poderiam crer que não existe aqui o que esconder ou racionalizar. Arrogância, solidão, amargura — muitas vezes esse é o lado noturno de muitos colecionadores cultos e bem-sucedidos. Toda paixão revela de vez em quando os seus traços demoníacos, e nada confirma tão cabalmente essa verdade como a história da bibliofilia. Não existe nada disso no credo de colecionador de Karl Hobrecker, cuja grande coleção de livros infantis é agora revelada ao público através de sua obra. Para quem não se deixasse sensibilizar pela personalidade cordial e refinada do autor, nem pelo próprio livro, em cada uma de suas páginas, só poderíamos dizer o seguinte: esse tipo de coleção — o de livros infantis — só pode ser apreciado por quem se manteve fiel à alegria que experimentou quando criança, ao ler esses livros. Essa fidelidade está na origem de sua biblioteca, e toda coleção, para prosperar, precisará de algo semelhante. Um livro, ou mesmo uma página, e até uma simples imagem num exemplar antiquado, talvez herdado da mãe ou da avó, podem ser o solo no qual esse impulso lançará suas primeiras e delicadas raízes. Pouco importa se a página está solta, se faltam páginas ou se aqui e ali mãos inábeis amarrotaram as gravuras. A procura de belos exemplares também é legítima nesse tipo de coleção, mas justamente aqui o pedante ficará perplexo. É uma boa coisa que a pátina depositada nas folhas por mãos infantis pouco asseadas mantenham à distância o bibliófilo esnobe."
(in Rua de Mão Única. (trad. de Rubens Rodrigues Torres Filho))

William Morris: Se me pedissem para dizer qual é, a um só tempo, a mais importante produção da Arte e a coisa a ser mais almejada, eu responderia: uma bela Casa; e se me perguntassem então qual a segunda produção mais importante e a segunda coisa a ser almejada, eu responderia: um belo Livro. Usufruir de boas casas e bons livros com auto-respeito e decente conforto parece-me ser o prazeroso objetivo pelo qual toda sociedade de seres humanos deveria agora lutar.
(in "Some thoughts on the ornamented books of the Middle Ages")

Emil Ruder: Desde os primórdios da imprensa, no século XV, até os produtos impressos do século XX, todos os esforços têm-se dirigido para uma meta: divulgar a informação o mais econômica e rapidamente possível. As únicas exceções foram as edições refinadas impressas no final do século passado e no início deste, numa época em que se manifestava uma admiração cega pelo progresso técnico e a industrialização que o acompanhava. Com isto descobrimos algo totalmente oposto à natureza essencial da tipografia: a edição de luxo, de reduzida tiragem, que dava a cada exemplar o privilégio de ser um livro raro, e portanto muito caro. Foi, no entanto, graças àquelas edições limitadas que chegamos a reconhecer certos requisitos da tipografia: o sentido das formas impressas e a compreensão de sua natureza; a correta ordenação das letras em palavras, em páginas e em áreas compactas dispostas dentro de uma justa relação com a superfície não impressa; a construção de um livro a partir da página dupla; a unidade dos tipos e as limitações inerentes ao modelo e ao corpo das letras.
No início do século XX surgiram as críticas ao bibliófilo; não se justifica a "mera" beleza de um livro de tiragem reduzida; um livro deve ser belo e barato, o que requer a maior tiragem possível. Hoje, o livro converteu-se num artigo barato e de amplo consumo, e sem dúvida a tipografia nisto encontra o seu verdadeiro destino como instrumento de comunicação de massas.
(in Manual de Desenho Tipográfico)

José Mindlin: Além do conteúdo, edição, encadernação, diagramação, tipografia, ilustração, ou papel, o livro exerce sobre mim uma atração física. Não me satisfaz ver um livro numa vitrine, sem poder pegá-lo. Minha tese é que a gente deve poder tocar naquilo que gosta, sentir objetos e pessoas.
...vale a pena assinalar que o começo da imprensa encontrou, ou despertou, uma sede de saber inesperada, e provocou uma revolução na difusão do conhecimento, comparável, se não superior, à que representou a introdução da informática. Basta dizer que nesse período foram publicados no Ocidente cerca de trinta e cinco mil títulos, com tiragens médias de duzentos a trezentos exemplares, o que representou o surgimento de mais de dez milhões de volumes, num mundo muito menor, e quando em toda a Europa a maior parte da população era analfabeta!
(in Uma Vida entre Livros, 1997)

Robert Darnton: Consideremos o livro. Possui uma resistência extraordinária. Desde a invenção do códice, no terceiro ou quarto século D.C., demonstrou ser uma máquina maravilhosa — excelente para estocar informação, conveniente para folhear, confortável de se aconchegar com ele, fantástico de se guardar, e notavelmente resistente ao estrago. Não precisa ser atualizado ou baixado, acessado ou inicializado, plugado em circuitos ou extraído da rede. Seu design faz dele um deleite para os olhos. Sua forma faz com que seja um prazer tê-lo em mãos. E sua manuseabilidade fez dele o instrumento básico do saber por milhares de anos, antes mesmo de a Biblioteca da Alexandria ter sido fundada no século IV A.C.(...)
O mundo do saber está mudando tão rapidamente que ninguém saberia prever com que se parecerá dentro de uns 10 anos. Mas acredito que vá permanecer no âmbito da Galáxia de Gutemberg — embora a galáxia venha a se expandir, graças a uma nova fonte de energia, o livro eletrônico, que atuará como suplemento, e não como substituto, da grande máquina de Gutemberg.
(in “The New age of the Book”, artigo publicado em 18/03/99 no New York Books.)
Wilson Martins: Não podemos perder de vista que o livro não é uma mercadoria como as outras. Seu emprego pressupõe a delicadeza de trato, o bom gosto, a finura intelectual, os ambientes em que a inteligência e não a matéria deve reinar soberanamente. Mesmo quando, na mão de um professor ou de um escritor, ele não passa de um "instrumento de trabalho", de uma "ferramenta", o livro guarda a sua superioridade própria e venerável de veículo privilegiado, de forma pela qual a idéia se transmite. Assim, tanto quanto possível, o livro deve ser belo e valioso inclusive como objeto e deve ser agradável à vista e ao tato, como é agradável à mente. Reduzi-lo à condição de mera mercadoria é vilipendiá-lo, é humilhá-lo na sua natureza e, o que é pior, é tornar o homem indigno dele.
(in A Palavra Escrita)

Alphonse de Lamartine: A imprensa é o telescópio da alma. Assim como este instrumento de ótica, chamado telescópio, aproxima do olho, ao aumentá-los, todos os objetos da criação, os átomos e até os astros do universo visível, assim a imprensa aproxima e põe em comunicação imediata, contínua, perpétua, o pensamento do homem isolado com todos os pensamentos do mundo invisível, no passado, no presente e no futuro. Disseram que as ferrovias suprimiriam as distâncias; podemos dizer que a imprensa suprimiu o tempo(...)
Daqui a alguns anos, uma palavra pronunciada e reproduzida num ponto qualquer do globo poderá iluminar ou fulminar o universo. A palavra, através do procedimento aperfeiçoado por Gutenberg, voltará a ser, pela matéria, tão imaterial como quando era apenas pensamento.
(in Gutenberg, 1858)

Honoré de Balzac: A impressão é para os manuscritos o que o teatro é para as mulheres: ilumina as belezas e os defeitos; tanto mata como dá vida; uma falha salta então aos olhos tão vivamente quanto os belos pensamentos.
(in Ilusões Perdidas)

Jules Richard: Tendo usufruído de todos os bens desse mundo na justa medida de meus meios e forças, posso, sem hipocrisia, constatar aqui que, de todos os prazeres, os que provêm do amor aos livros são, se não os mais vivos, pelo menos os mais facil e longamente renováveis.
(in L'Art de former une bibliothèque)

Maurice Blanchot: A leitura que toma a obra pelo que ela é, e, assim, a desembaraça de todo o autor, não consiste em introduzir, no lugar dele, um leitor, uma pessoa fortemente existente, possuidora de uma história, uma profissão, uma religião e até de leitura, que, a partir de tudo isso, começaria, com a outra pessoa que escreveu o livro, um diálogo. A leitura não é uma conversação, ela não discute, não interroga. Jamais pergunta ao livro e, com mais fortes razões, ao autor: "O que foi que você quis dizer exatamente? Que verdade me traz, portanto?" A leitura verdadeira jamais questiona o livro verdadeiro; mas tampouco é submissão ao "texto". Somente o livro não literário se oferece como uma rede solidamente tecida de significações determinadas, como um conjunto de afirmações reais: antes de ser lido por alguém, o livro não literário já foi lido por todos e é essa leitura prévia que lhe assegura uma existência firme. Mas o livro que tem sua existência na arte não tem sua garantia no mundo, e quando é lido, nunca foi lido ainda, só chegando à sua presença de obra no espaço aberto por essa leitura única, cada vez a primeira e cada vez a única.
Daí a estranha liberdade de que a leitura - literária - nos dá o exemplo. Movimento livre, se ela não está submetida, se não se apóia em nada que lhe esteja presente. O livro aí está, sem dúvida, não só a sua realidade de papel e de impressão, mas também a sua natureza de livro, esse tecido de significações estáveis, essa afirmação que ele deve a uma linguagem preestabelecida, esse cercado, também, que forma em redor dele a comunidade de todos os leitores, entre os quais, eu que não o li, já me encontro, e esse cercado é ainda o de todos o livros que, como anjos de asas entrelaçadas, velam estreitamente sobre esse volume desconhecido, pois um único livro em perigo ocasiona uma perigosa brecha na biblioteca universal. O livro, portanto, aí está, mas a obra ainda está escondida, ausente talvez radicalmente, dissimulada, em todo o caso, ofuscada pela evidência do livro, por trás da qual aguarda a decisão libertadora, o Lázaro, veni foras.
Fazer cair essa pedra parece ser a missão da leitura: torná-la transparente, dissolvê-la pela penetração do olhar que, com ímpeto, vai mais além.(...)
(in O espaço literário).

Benedito Nunes: Qual a importância ética da leitura? (...) O meu ponto de partida, implicando tomar a palavra ética no sentido amplo de ethos, modo de ser e agir do homem - e privilegiando a leitura de determinados textos, os ficcionais de caráter literário -, é que a importância ética da leitura está no seu valor de descoberta e de renovação para a nossa experiência intelectual e moral. A prática da leitura seria um adestramento reflexivo, um exercício de conhecimento do mundo, de nós mesmos e dos outros.
Por certo que essa prática é solitária. Quem lê isola-se por momentos do mundo, à rebours de la conversation, como observou Proust, e recolhe-se na companhia do livro, à escuta de sua silenciosa conversa. Mas nesse recolhimento, provocado por outra voz que não a nossa e a daqueles que nos rodeiam, trava-se uma singular dialética entre nós mesmos e o texto. A experiência da leitura, particular e momentânea, reverte a favor da experiência da vida, geral e cumulativa. (...)
Os textos literários são obras de discurso a que falta a imediata referencialidade da linguagem corrente: poéticos, abolem, "destroem" o mundo circundante, cotidiano, graças à função irrealizante da imaginação que os constrói. E prendem-nos na teia de sua linguagem, a que devem o poder de apelo estético que nos enleia; seduz-nos o mundo outro, irreal, neles configurado, a que aderimos por uma willing suspension of disbelief (desejada suspensão da descrença), assim chamado por Coleridge o efeito de continuidade do apelo estético. No entanto, da adesão a esse "mundo de papel', quando retornamos ao real, nossa experiência, ampliada e renovada pela experiência da obra, à luz do que nos revelou, possibilita redescobri-lo, sentindo-o e pensando-o de maneira diferente e nova. A ilusão, a mentira, o fingimento da ficção aclara o real ao desligar-se dele, transfigurando-o; e aclara-o já pelo insight que em nós provocou.
("Ética e Leitura", in Estado de Leitura).
23 April: a symbolic date for world literature for on this date and in the same year of 1616, Cervantes, Shakespeare and Inca Garcilaso de la Vega all died. It is also the date of birth or death of other prominent authors such as Maurice Druon, K.Laxness, Vladimir Nabokov, Josep Pla and Manuel Mejía Vallejo. It was a natural choice for UNESCO's General Conference to pay a world-wide tribute to books and authors on this date, encouraging everyone, and in particular young people, to discover the pleasure of reading and gain a renewed respect for the irreplaceable contributions of those who have furthered the social and cultural progress of humanity.
The idea for this celebration originated in Catalonia where on 23 April, Saint George's Day, a rose is traditionally given as a gift for each book sold. The success of the World Book and Copyright Day will depend primarily on the support received from all parties concerned (authors, publishers, teachers, librarians, public and private institutions, humanitarian NGOs and the mass media), who have been mobilized in each country by UNESCO National Commissions, UNESCO Clubs, Centres and Associations, Associated Schools and Libraries, and by all those who feel motivated to work together in this world celebration of books and authors.

23 de abril 2011 - Dia mundial do livro e dos direitos do autor

quinta-feira, 7 de abril de 2011

o livro depois do livro


Foucault tem toda razão:
o leitor é o duplo do livro.
Domesticar esse duplo,
conter a desmedida imaginativa da leitura:
Não foi outro o afã que submeteu D. Quixote
a sua humilhação pública.
Dize-me o que lês, e eu te direi quem és.
http://www.desvirtual.com/thebook/portugues/estante_teoria.htm

compartilhando leituras - terceiro encontro

Para a feira do livro
João Cabral de Melo neto

A Ángel Crespo

Folheada, a folha de um livro retoma
o lânguido vegetal de folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que o vento em folha de livro.
Todavia, a folha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:
a palavra nela urge a voz, que é vento,
ou ventania, varrendo o podre a zero.

Silencioso: quer fechado ou aberto,
Incluso o que grita dentro, anônimo:
só expõe o lombo, posto na estante,
que apaga em pardo todos os lombos;
modesto: só se abre se alguém o abre,
e tanto o oposto do quadro na parede,
aberto a vida toda, quanto da música,
viva apenas enquanto voam as suas redes.
Mas apesar disso e apesar do paciente
(deixa-se ler onde queiram), severo:
exige que lhe extraiam, o interroguem
e jamais exala: fechado, mesmo aberto.


Iniciação literária (Carlos Drummond de Andrade, BoiTempo, Poesia completa, p.989

 Leituras! Leituras!
 Como que diz: Navios... Sair pelo mundo
voando na capa vermelha de Júlio Verne.

 Mas por que me deram para livro escolar
 a ‘Cultura dos Campos’ de Assis Brasil?
O mundo é só fosfatos – lotes de 25 hectares
-soja – fumo – alfafa – batata-doce – mandioca –
Pastos de cria – pastos de engorda.

 Se algum dia, eu for rei, baixarei um decreto
 condenando este Assis a ler a sua obra.

Liberdade (Fernando Pessoa)
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca…


“Ver o céu de verão é Poesia
Que ninguém vai prender num livro
Os bons poemas fogem.” Emily Dickinson


FAZ ESCURO MAS EU CANTO - THIAGO DE MELLO

Faz escuro, mas eu canto por que amanhã
vai chegar.
Vem ver comigo companheiro, vai ser lindo, a cor do
mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar,
porque amanhã vai chegar.
Já é madrugada vem o sol quero alegria.
Que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado defendendo o
coração.
Vem comigo multidão, trabalhar pela
alegria.
Que amanhã é outro dia, que amanhã é
outro dia.